UM EVANGELHO COM SANGUE E UM FLERTE COM O MEDO!
A construção de uma historia forte e
marcante que mexa tanto com o nosso brio como com nossa psicologia interior é
rara, e muitas vezes inexistente. Na literatura podemos encontrar alguns poucos
exemplos de escritores que conseguiram esta façanha. Por exemplo, Louis Robert
Stevenson com o médico e o monstro, Mary Shaley com o Frankstain, Edgar Alan
Poe e suas narrativas psicológicas, H.P. Lovecraft e sua mitologia chutulhiana
entre alguns outros poucos representantes deste estilo de historia, intitulada
gótica ou terror. O que dizer então de historias que abordam especificamente
este tema em outra mídia como os quadrinhos. Temos alguns exemplos como O
monstro do pântano de Alan Moore, Hellblazer (ou como é mais conhecida por John
Constantini) de Garth Ennis, Sandman de Neil Gaiman, a antiga Kripta com seus
vários autores, e tantos mais de grande qualidade que contribuíram para
sedimentar as HQs como uma mídia forte que abordam especificamente o terror.

Com
uma temática forte apesar de parecer apenas mais uma historia de vampiro como
as que encontramos publicadas no país. O que constatamos no Evangelho,
entretanto é uma historia com um teor estranho e quase irreconhecível de uma
temática que não se inicia claramente como tal.
Pois os personagens vão sendo desenvolvidos aos poucos em suas
características tanto físicas como mentais. Outra característica que diferencia
o Evangelho das demais publicações nacionais, esta nos temas transversais abordados
que possuem mais relevância para a historia do que propriamente saber dos
acontecimentos que levaram determinado personagem a ser um vampiro ou não; isso
fica em segundo plano, pois o que importa mesmo é os sub-temas que estão imbutidos
nos personagens secundários existentes nas suas páginas e que nos leva a dialogar
com a historia e com nós mesmos sobre, o por que nossas ações tem
conseqüências. O autor Marcos Guerra
argumentista responsável por esta visceral viragem no tema vampiresco, busca ao
invés de partir de uma historia tradicional de vampiro – jugular; amor - sexo
ou intriga – violência; objetiva ao contrário, estudar como os nuances
interiores dos personagens são evocados para constituir o plano físico, em que
loucura, arrependimento, cólera, sensualismo e mistério constituem o aparato
metodológico da psique de cada personagem e assim coadunar para a compreensão
tanto da historia quanto dos próprios personagens. A escolha inusitada por
situar a historia na cidade de Natal/RN do século 18, é outro feliz acerto do
escritor, pois se propõe a fugir das historia ambientadas nos grandes centros
urbanos do país situando-a em uma cidade mediana e sem muita relevância como na
cidade do sol . O cuidado com a pesquisa
e a busca de retratar o ambiente, a fé, a cultura e a arquitetura dos
antepassados dos potiguares constitui outro ponto a favor desta historia.
Devido nos dá a noção de veracidade que invoca uma tênue transição entre o real
e o ficcional. Guerra Centra igualmente sua analise na mescla de cunho
religioso e satânico em que esta contida subrepticiamente na historia e que nos
leva em um primeiro momento a achar que se trata de uma historia que invoca o
satanismo pura e simplesmente. Entretanto, o que vemos é um passeio pelo
folclore da cidade e sua historia. O horror emerge justamente da forma com que
tratamos nossos desejos e tomamos nossas decisões que na maior parte das vezes
é errada. Mas na historia oriunda da frutífera imaginação de Guerra também há
espaço para o amor, mas ela não é exposta de maneira piegas e destituída de um
propósito, se afastando assim das historias clichê românticas. O
tom sombrio existente na historia contada por Guerra não é por acaso, porque
enseja levar o leitor não a um mundo limpinho onde a relação entre o bem e o
mau é bem distintas, mas busca mostrar que os contrastes entre o branco e o
preto não são escolhas feitas ao mero a caso, devido a relação entre branco e
preto refletir a ambigüidade existente em nossa alma.

Outra constatação que podemos
confirmar é o grande equilíbrio estético entre texto e diagramação. Esta acertada
parceria dos autores do Evangelho se evidencia á medida que a historia vai
avançando. Já no começo da historia, observamos existir uma simbiose entre o
texto e a ilustração em que os personagens são apresentados e a historia se
desenvolve, funcionando perfeitamente. Assim os autores do Evangelho Marcos
Guerra e Leandro Moura conseguem se utilizar de insinuações e de uma narrativa
artisticamente inusitada, que se centra em uma historia de adultério familiar.
Construindo assim uma historia em que para os incautos de primeira viagem
pareceria enfadonha e arrastada e sem sentido, mas que se mostra insistirmos na
leitura, que, aliás, e belamente constituída se descortinará em um elegante e
instigante conto de terror como pouco se viu em terra brasileira.
Em fim, o Evangelho Segundo o Sangue, se constitui como um marco na formulação tanto textual como ilustrativa de uma mini – série em que o maior destaque de sua concepção esta na constituição autoral ou por que não dizer alternativa de sua formulação. Se procurarmos alguma palavra para definir esta obra podemos encontrá-las nestas palavras de que elas seria “Uma viagem ao inconsciente em busca da alma de cada um de nós” e que certamente após lermos suas páginas concordaríamos com essa afirmativa.

Termino por fim, recomendando a compra
e leitura dessa maravilhosa edição e se possível, a analise da estética e
constituição do conteúdo desta HQ que não podemos encontrar nada semelhante no
estado e arrisco dizer no país, que se equipare atualmente a formulação contida
nessa historia e que tenha sido retratada com tanta sensibilidade como a feita
por esta ilustre dupla de senhores.
Parabenizo a ambos por terem conseguido nos presentear com uma historia
lírica, ao mesmo tempo em que bucólica, que nos fala aos sentimentos e nos
invoca a memória de tempos mais sombrios onde uma sombra recuada no canto mal
iluminado pelo lampião nos sobressaltava os sentidos.
Ass:
Renato
de Medeiros Jota
Doutorando
em Filosofia pela PPGFIL.
Mais informações sobre autores: http://koticahqs.blogspot.com.br/p/autores_18.html
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