Evangelho Segundo o Sangue





UM EVANGELHO COM SANGUE E UM FLERTE COM O MEDO!




          A construção de uma historia forte e marcante que mexa tanto com o nosso brio como com nossa psicologia interior é rara, e muitas vezes inexistente. Na literatura podemos encontrar alguns poucos exemplos de escritores que conseguiram esta façanha. Por exemplo, Louis Robert Stevenson com o médico e o monstro, Mary Shaley com o Frankstain, Edgar Alan Poe e suas narrativas psicológicas, H.P. Lovecraft e sua mitologia chutulhiana entre alguns outros poucos representantes deste estilo de historia, intitulada gótica ou terror. O que dizer então de historias que abordam especificamente este tema em outra mídia como os quadrinhos. Temos alguns exemplos como O monstro do pântano de Alan Moore, Hellblazer (ou como é mais conhecida por John Constantini) de Garth Ennis, Sandman de Neil Gaiman, a antiga Kripta com seus vários autores, e tantos mais de grande qualidade que contribuíram para sedimentar as HQs como uma mídia forte que abordam especificamente o terror.            

          Ora mas para dizer que só falamos apenas de autores de HQs de fora do país, também temos muitos exemplos de historias deste tipo no Brasil como Mirza a mulher vampiro, as historias da antiga revista Calafrio, Spektro, Sobrenatural, Mestres do Terror, Especial de Terror e etc. O que podemos constatar a principio é que praticamente nenhuma delas marcou uma geração ou impôs uma nova forma estética de contar historias de terror e suspense que figurasse como uma historia inovadora e que possuísse uma temática forte na literatura das HQs nacionais que se destacasse. Os quadrinhos nacionais sempre figuraram por sua falta de originalidade e quando tinham alguma originalidade pecavam por seu curto teor o que não favorecia contar uma boa historia de terror. O problema disso me pergunto se poderia esta no roteiro ou nos desenhos? Acredito que não, mas na pura falta de senso de criatividade dos autores que objetivassem uma historia autoral e que refletisse nosso tempo e cultura e também no empenho das editoras de valorizar este nicho ainda pouco explorado nacionalmente. Entretanto de vez em quando surge uma excessão a regra. Falo neste momento da HQ on line O EVANGELHO SEGUNDO O SANGUE que desponta como uma grata surpresa neste universo árido das HQs de terror.






          Com uma temática forte apesar de parecer apenas mais uma historia de vampiro como as que encontramos publicadas no país. O que constatamos no Evangelho, entretanto é uma historia com um teor estranho e quase irreconhecível de uma temática que não se inicia claramente como tal.  Pois os personagens vão sendo desenvolvidos aos poucos em suas características tanto físicas como mentais. Outra característica que diferencia o Evangelho das demais publicações nacionais, esta nos temas transversais abordados que possuem mais relevância para a historia do que propriamente saber dos acontecimentos que levaram determinado personagem a ser um vampiro ou não; isso fica em segundo plano, pois o que importa mesmo é os sub-temas que estão imbutidos nos personagens secundários existentes nas suas páginas e que nos leva a dialogar com a historia e com nós mesmos sobre, o por que nossas ações tem conseqüências.  O autor Marcos Guerra argumentista responsável por esta visceral viragem no tema vampiresco, busca ao invés de partir de uma historia tradicional de vampiro – jugular; amor - sexo ou intriga – violência; objetiva ao contrário, estudar como os nuances interiores dos personagens são evocados para constituir o plano físico, em que loucura, arrependimento, cólera, sensualismo e mistério constituem o aparato metodológico da psique de cada personagem e assim coadunar para a compreensão tanto da historia quanto dos próprios personagens. A escolha inusitada por situar a historia na cidade de Natal/RN do século 18, é outro feliz acerto do escritor, pois se propõe a fugir das historia ambientadas nos grandes centros urbanos do país situando-a em uma cidade mediana e sem muita relevância como na cidade do sol .  O cuidado com a pesquisa e a busca de retratar o ambiente, a fé, a cultura e a arquitetura dos antepassados dos potiguares constitui outro ponto a favor desta historia. Devido nos dá a noção de veracidade que invoca uma tênue transição entre o real e o ficcional. Guerra Centra igualmente sua analise na mescla de cunho religioso e satânico em que esta contida subrepticiamente na historia e que nos leva em um primeiro momento a achar que se trata de uma historia que invoca o satanismo pura e simplesmente. Entretanto, o que vemos é um passeio pelo folclore da cidade e sua historia. O horror emerge justamente da forma com que tratamos nossos desejos e tomamos nossas decisões que na maior parte das vezes é errada. Mas na historia oriunda da frutífera imaginação de Guerra também há espaço para o amor, mas ela não é exposta de maneira piegas e destituída de um propósito, se afastando assim das historias clichê românticas.     O tom sombrio existente na historia contada por Guerra não é por acaso, porque enseja levar o leitor não a um mundo limpinho onde a relação entre o bem e o mau é bem distintas, mas busca mostrar que os contrastes entre o branco e o preto não são escolhas feitas ao mero a caso, devido a relação entre branco e preto refletir a ambigüidade existente em nossa alma.   
          
         O responsável por esta representação da historia e que faz um belíssimo trabalho da composição das cenas é o web designer e ilustrador Leandro Moura que consegue fazer o impensável, inovar em uma estética como a concepção vampiresca sem se deixar influenciar por outros ilustradores que discorrem sobre o mesmo tema, como Albuquerque, Kelley Jones, Colan e etc. Leandro faz isso através de traços fortes e ousados que nos faz lembrar a impressionante arte de Gustave doré e que consegue tanto nos impor emoções conflitantes residentes em nossa alma que ensejam tanto medo, calafrios, suspense quanto aqueles outros sentimentos de  arrependimento, tristeza, amor, perseverança, esperança e etc. Não obstante podemos observar que o estilo de traço de Leandro Moura lembra em alguns momentos o casamento feliz entre expressionismo alemão e a impressão de xilogravuras existentes nos cordéis e que constituem uma comunhão perfeita entre traço e cores chapadas e bem distribuídas. Estas duas influências aparentemente irreconciliáveis são maravilhosamente representadas pelo traço de Leandro que consegue imprimir em cada quadro, um sentimento distinto que mescla a estética e o roteiro em perfeita harmonia. O seu trabalho surpreende em buscar nestas duas formas de arte, que tem no expressionismo alemão originado do cinema e na xilogravura onde os cordéis são representados, e usa de ambos para fundamentar sua estética do Evangelho.  Por conseguinte, o que podemos derivar desta composição de imagens do Evangelho escolhida por Leandro é a ousadia em que o mesmo não tem medo de aplicar a sua narrativa visual.  Se por um lado a concepção estética escolhida por ele parece, á primeira vista suja e obscura demais, por outro lado, o que constatamos é que ela abre os pontos de claridade residentes nos lugares corretos dos quadrinho, onde possamos identificar este embate entre bem e mau na historia e que aparentemente deixa antever que o mal leva a melhor. Seja como for devemos considerar que o conteúdo trabalhado por Leandro é realmente de ótima qualidade e que traduz com fidelidade as características principais do texto elaborado por Guerra.

          Outra constatação que podemos confirmar é o grande equilíbrio estético entre texto e diagramação. Esta acertada parceria dos autores do Evangelho se evidencia á medida que a historia vai avançando. Já no começo da historia, observamos existir uma simbiose entre o texto e a ilustração em que os personagens são apresentados e a historia se desenvolve, funcionando perfeitamente. Assim os autores do Evangelho Marcos Guerra e Leandro Moura conseguem se utilizar de insinuações e de uma narrativa artisticamente inusitada, que se centra em uma historia de adultério familiar. Construindo assim uma historia em que para os incautos de primeira viagem pareceria enfadonha e arrastada e sem sentido, mas que se mostra insistirmos na leitura, que, aliás, e belamente constituída se descortinará em um elegante e instigante conto de terror como pouco se viu em terra brasileira.
       
        Em fim, o Evangelho Segundo o Sangue, se constitui como um marco na formulação tanto textual como ilustrativa de uma mini – série em que o maior destaque de sua concepção esta na constituição autoral ou por que não dizer alternativa de sua formulação.  Se procurarmos alguma palavra para definir esta obra podemos encontrá-las nestas palavras de que elas seria “Uma viagem ao inconsciente em busca da alma de cada um de nós” e que certamente após lermos suas páginas concordaríamos com essa afirmativa.
        

        Quanto aos autores Marcos Guerra e Leandro, ambos fazem parte de uma geração de ilustradores que compõem a revista eletrônica on line Kótica e visam primeiramente á criação de uma estética inovadora para as HQs de terror em que o principal a ser valorizado seja o texto em simbiose com á historia e que tenha principalmente o foco em retratar a cultura, o folclore, a arte e a música do país e dos estados ao invés de valorizar maniqueisticamente o material vindo do exterior como muitos brasileiros o fazem no país. O surgimento destes autores se dá no contexto alternativo dos quadrinhos natalense em que visa criar uma estética diferenciada para o seu material e se afastar daquilo que pode ser entendido apenas, como uma mimese das editoras gringas. Infelizmente, constatamos na cidade de Natal que a mídia local só valoriza aqueles ilustradores que trabalham justamente para estas editoras e desconsidera ou mesmo pouco divulga o verdadeiro trabalho de vanguarda destes autores. Terminam assim, por contribuir para a formação de um mercado insípido e para a falta de criação de nossos autores que só fazem o que o mercado pede e não ousam nada além do que pode ser consumido pelo público. Terminam por fim por valorizar ilustradores que trabalham para o mercado externo e para grandes e pequenas empresas estrangeiras e deixam de valorizar aqueles autores potiguares que de fato produzem uma HQ autêntica e visceral, que creio despontaram mais cedo ou mais tarde como os grandes produtores de HQ de qualidade no mercado brasileiro.
          


       Termino por fim, recomendando a compra e leitura dessa maravilhosa edição e se possível, a analise da estética e constituição do conteúdo desta HQ que não podemos encontrar nada semelhante no estado e arrisco dizer no país, que se equipare atualmente a formulação contida nessa historia e que tenha sido retratada com tanta sensibilidade como a feita por esta ilustre dupla de senhores.  Parabenizo a ambos por terem conseguido nos presentear com uma historia lírica, ao mesmo tempo em que bucólica, que nos fala aos sentimentos e nos invoca a memória de tempos mais sombrios onde uma sombra recuada no canto mal iluminado pelo lampião nos sobressaltava os sentidos.    


Ass:
Renato de Medeiros Jota
Doutorando em Filosofia pela PPGFIL.



   Roteiro por Marcos Guerra e arte de Leander



Leander e Marcos Guerra















Mais informações sobre autores: http://koticahqs.blogspot.com.br/p/autores_18.html



Edição nº 1 de Evangelho Segundo o Sangue
Formato pequeno  32 páginas
por apenas R$ 4,00 
Edição nº 2 de Evangelho Segundo o Sangue
Formato grande com 40 páginas
por apenas R$ 12,00






                                   


















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